Quase dois meses após a confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no Amazonas, a doença já chegou a 88% dos municípios do estado, apesar das longas distâncias, poucas estradas e decreto que proíbe o transporte fluvial durante a pandemia. A curva de contágio da Covid-19, de acordo com o Governo do Amazonas, continua crescendo. Na região, os rios são o principal meio de locomoção em grande parte das cidades, e a suspensão do transporte por eles não foi suficiente para impedir que o vírus chegasse a localidades mais remotas.
Das 62 cidades do estado, 54 contabilizavam casos da Covid-19 até esta quarta-feira (6). O avanço da contaminação é mais severo na capital, com mais de 5,4 mil casos, mas também aparece com intensidade em localidades mais distantes e onde, predominantemente, o acesso é feito pelos rios. No interior, mais de 3,7 mil pessoas contraíram a doença e há mais de 200 mortes.
Ainda conforme dados desta quarta-feira, 14 cidades do Amazonas estão entre as 20 do País com maior incidência de casos de Covid-19. Outro dado preocupa: 13 das 20 cidades com maior mortalidade pela doença estão localizadas no Amazonas.
Na área do Alto Solimões, sudoeste do Estado, todas as nove cidades que integram a região têm registros da doença: Tabatinga e Santo Antônio do Içá com mais de 200 casos; São Paulo de Olivença com mais de 100; Benjamin Constant, Amaturá e Tonantins com mais de 50; além de Fonte Boa, Jutaí e Atalaia do Norte que ainda não têm mais de 30 casos. Nessas localidades, os altos custos de transporte aéreo e aeroportos sem regularização tornam o transporte fluvial essencial.
Em Anori, situada mais ao centro do estado, a viagem de barco pode durar até cerca de 7h de Manaus. Lá, o número de casos saltou de 10 para 56 em poucos dias.
A secretária de Saúde da cidade, Renata Padilha, disse ao G1 que os primeiros casos surgiram em um grupo familiar. Ela destaca que há desrespeitos aos decretos estabelecidos para conter o avanço do vírus na cidade. Entre eles, o transporte clandestino de passageiros em lanchas.
“Não tem sido nada fácil controlar. Temos conhecimento [de transporte clandestino] quando têm denúncias, de que, às vezes, chega lancha com alguém que vem de maneira errada, clandestinamente. Isso nos é denunciado”, disse. Segundo ela, passageiros que desembarcam na cidade são monitorados e submetidos à quarentena de 14 dias.
Na região, a malha hidroviária é a principal ligação entre as capitais e os municípios e, principalmente, com comunidades ribeirinhas e indígenas. De acordo com o Ministério dos Transportes, são mais de 16 mil quilômetros de rios navegáveis no Norte do país.
Como tentativa de barrar a entrada da Covid-19 no interior, a suspensão dos serviços de transporte intermunicipal terrestre e fluvial de passageiros foi adotada pelo governo estadual no mês passado e prorrogada até 13 de maio. Há exceção para situações de emergência e urgência, para transporte de cargas e trabalhadores de serviços essenciais, como saúde e segurança.
Apesar da proibição, o governo acredita que parte da população tem burlado a legislação e isso pode estar facilitando a circulação do vírus, que já ocorre por transmissão comunitária – quando não é possível identificar a origem do contágio – em boa parte do interior.
“Os barcos pegam passageiros em portos clandestinos, muitas vezes em outros municípios, em áreas rurais, como, por exemplo, atravessam a ponte e, através de portos clandestinos, em Iranduba, se deslocam para o interior”, disse a diretora da Fundação de Vigilência em Saúde (FVS), Rosemary Costa Pinto, em uma entrevista dias após o anúncio do decreto.
Segundo informou o governo, a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados e Contratados do Estado do Amazonas (Arsepam) tem intensificado as fiscalizações em parceria com a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, o Departamento Estadual de Trânsito e a Marinha, a fim de conter o avanço do novo coronavírus para o interior. Destaca, no entanto, que o monitoramento da entrada de pessoas em cada município é de competência das prefeituras, sendo o Estado responsável pelo trânsito entre as cidades.
Desde o decreto, estão paralisadas as atividades de 15 linhas rodoviárias e de, aproximadamente, 150 embarcações até o dia 13 de maio. Acram Isper Jr., diretor presidente da Arsepam, disse que a facilidade da utilização de portos clandestinos em todo o estado é um obstáculo enfrentado. “O Amazonas é um estado continental com hidrovias gigantescas”, diz.
Ele explicou que a Agência conta com a parceria das prefeituras, que devem encaminhar a lista de passageiros que podem transitar entre município e capital. “Já conseguimos impedir situações como o de um barco de linha que estava a caminho do município de Tefé, sem a autorização da agência e com excesso de passageiros”.
O barco ao qual ele se refere foi apreendido no dia 22 de abril. A embarcação fazia linha de Manaus/Japurá, com parada em Maraã. Além do descumprimento do decreto, o barco também navegava com excesso de carga.
Segundo Isper Jr, fiscalizações no cumprimento da restrição de viagens sao realizadas desde o dia 19 de março, data de publicação do decreto governamental que suspendeu o serviço. Desde lá, segundo ele, mais de 150 inspeções foram realizadas e mais de 1.321 denúncias de irregularidades foram recebidas.
Equipes da Anvisa e da Vigilância Sanitária do Estado também atuam nos portos do estado para coibir a saída de passageiros de barcos de Manaus com destino ao interior.
Com isso, um trabalho de conscientização dentro das embarcações que recebem autorização de viagem é realizado, segundo Jerferson Calda, coordenador Regional da Anvisa. Na ação, tripulação e donos de barcos recebem orientações para higienização dos ambientes e superfícies dos barcos. A intenção é evitar que passageiros autorizados a seguir viagem não corram risco de contaminação.
“As equipes entram nas embarcações e fazem uma inspeção completa. Não está sendo permitido o embarque de pessoas, apenas situações de emergência. Mesmo assim, deve haver um controle sanitário para a viagem acontecer”, disse à Rede Amazônica.
Na região do Alto Solimões está a maior parte das aldeias indígenas do Amazonas. E foi no município de Santo Antônio do Içá, que a primeira índia do país testou positivo para o coronavírus, no começo do mês de abril, depois que um médico que atua na região teria entrado em contato com indígenas e outros profissionais da saúde nos últimos dias antes de testar positivo. Depois disso, duas aldeias foram isoladas.
Fonte: G1 Amazonas
Divulgação: Portal Uatumã